Noutra ordem de reflexão," Já estava assim quando eu cheguei", de Carlito Carvalhosa, pareceria aludir à migração. Feita por um artista paulista que se mudou para o Rio, a escultura é um Pão-de-açúcar decepado. Ou poderia referir-se à colonização: o que estava ali antes da cultura ocidental chegar era uma pedra com um outro nome que não fosse um reconhecimento. Nomear é tomar posse. No entanto, o trabalho recua a um momento ainda mais primordial ao firmar que a pedra - o munomental acidente geográfico - "já estava ali quando eu cheguei" e não tem nome, mas forma. O artista, no entanto, não estabelece dicotomia entre os tempos díspares da chegada e do "estar antes". A obra trata de um momento constitutivo do sujeito sensiente. Essa distância entre o eu e o mundo (o que "já estava ali") é a consciência. O título afirmativo cria um ponto de suspensão, anterior à etapa de intensificação expressiva do ataque ao problema de construção da obra: manter o inominado em estado formal mutante. A ontologia do visível (isto, ou aquela massa geográfica, "já estava ali quando eu cheguei"... isto já era visível antes do meu olhar) de Merleau-Ponty é pensada a partir de Cézanne. Se o filósofo francês ainda se remete ao campo metafísico, Carvalhosa dispensa a memória cultural do penhasco (sua história simbólica para o país), e talvez mesmo uma fenomenologia bacherlardiana da ordem de La Terre et les rêveries de la volonté. Não obstante isso, ele se sabe essencialmente diante de um confronto merleau-pontyano alusivo a Cézanne: a humanidade constituída (o sujeito da percepção produtiva da arte: o artista) suspende hábitos (como o de pensar a paisagem como algo dado na pintura) e nos revela "o fundo de natureza inumana sobre a qual a pintura se instala". Se a memória de Carvalhosa se constrói com seu aparato sensorial, o desdobramento de sua produção tem um olho na história da arte. "A paisagem se pensa em mim e eu sou sua consciência", escreveu Cézanne. Como o monte Sainte-Victoire para a pintura de Cézanne, o Pão-de-açúcar é o mero dado do mundo (o pré-mundo), a partir do qual Carvalhosa contrapõe a especificidade da escultura à natureza primordial (a Erde de Husserl). Entre a opacidade da memória e o não-saber, Carvalhosa nesse ponto evidencia seu quiasma: o que vem da coisa (o que ali estava) e que vem dele em seu trabalho de artista.