Há sempre uma terceira vez é a segunda parceria entre eu e Carlito Carvalhosa, artista paulistano radicado há anos no Rio de Janeiro. Ela dialoga com Faço tudo para não fazer nada, exposição que pensamos juntos na Galeria Nara Roesler em São Paulo em novembro de 2017, e expande equações que nos propusemos ali. O majestoso tecido pendendo do teto reemerge com nova coreografia e mesma monumentalidade. É uma obra emblemática de seu vocabulário artístico, reconfigurada algumas vezes – entre as anteriores estão as mostras Apagador, na Capela do Unhão em Salvador (2008), A soma dos dias (2010) na Pinacoteca do Estado de São Paulo e Sum of Days (2011) no MoMA de Nova York. Ou seja, de terceira vez aqui não há nada.

A patafisicalidade presente no título da exposição intenciona direcionar o espectador não à falta de lógica – pois lógica temos de sobra – mas à uma combinação de leveza e seriedade que essencialmente configura a prática do artista em qualquer que seja a forma em que sua poética se materialize. E ao longo de sua trajetória, existem muitas. Formado em arquitetura pela FAU–USP, Carlito começou sua experimentação artística como pintor nos anos 1980, se embrenhando posteriormente por praticamente todas as veredas reconhecidas como arte – seja sozinho ou através de colaborações, como por exemplo com os músicos Phillip Glass e Arto Lindsay.

Emulamos aqui, tal qual em FTPNFN, a vontade de expor trabalhos que refletem estes vários interesses do artista e diferentes momentos de sua carreira – a obra mais antiga da exposição data do início dos anos 1990; a mais recente do início deste mês. A intenção é de se estabelecer narrativas atemporais em sua prática, já que sua trajetória não pode ser contada em termos lineares de causa e efeito – onde um interesse leva imediatamente a outro – mas por vias tortas, em que elementos somem e re-emergem após um hiato de tempo, ainda que o rio jamais seja o mesmo. Exemplo disso é a parede imediatamente a direita da entrada do galpão, onde vemos uma obra em cera de grandes proporções (Sem título, 1993), cuja superfície amarelada e pequenos amassados são índices de sua idade. Ao seu lado há uma pequena cera de 2018 imaculadamente branca; sua alvura será possivelmente perpetrada pelo fato de ela estar envolta em uma caixa de acrílico.

Se na Nara Roesler esta não-linearidade foi reforçada pela própria expografia da mostra, onde trabalhos foram pendurados em diferentes alturas e por vezes um em cima do outro, o desafio aqui foi buscar a não-cronologia através de uma exibição cartesiana, em que todas as obras dividem o mesmo eixo, formando duas grandes linhas nas paredes longas; tal eixo prevalece mesmo quando o pé-direito se amplia na sala dos tecidos. Eventualmente, em momentos distintos em cada uma das paredes, as linhas simplesmente cessam de existir.

Esta imensa horizontalidade visa contrapor à verticalidade intrínseca dos tecidos, assim como à das lâmpadas que igualmente pendem do teto – outra obra chave do artista, presente tanto aqui como lá, também em cada vez com única coreografia. Da mesma forma, obras que estiveram em FTPNFN fazem vez nesta ocasião, a exemplo de um espelho pintado com gesso branco.

Enquanto lá ele estava em uma das paredes mais tumultuadas da galeria, ditando o seu ritmo, aqui ele aparece sozinho e imponente, dominado uma das paredes.

Por se tratar de um ambiente doméstico, tivemos como mote a ideia de contaminação, ou seja, de nos infiltrar em uma situação dada. Por exemplo, o teleiro que abriga algumas peças da coleção do casal ganha temporariamente três lâmpadas que pendem do teto, assim como uma pequena obra de Carlito. Também a forma com que as obras foram penduradas remete ao nosso mote, já que as paredes internas do espaço sempre entrecortam as obras, parcializando a sua contemplação, como se a vontade de ocupar precedesse a necessidade de contemplar. Somado ao fato de que uma grande parcela das obras do artista de utiliza de superfícies reflexivas, isso faz com que, de forma análoga ao que ocorre na zona de Stalker , os objetos aparentemente se alterem dependendo do ponto de vista do espectador, revelando-se ou resguardando-se conforme caminha-se pelo espaço.

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Filme de 1979 dirigido por Andrei Tarkovsky. A narrativa se desenrola basicamente dentro desta área chamada “zona”, uma área com grandes perigos protegida militarmente. Nela há a “sala”, que garante um desejo aos que a alcançam. Porém, no percurso até lá – onde o caminho mais seguro nunca é o óbvio – as coisas ao redor permanentemente mudam de lugar.
by arteninja