Em sua segunda individual na Galeria Nara Roesler, Carlito Carvalhosa apresenta trabalhos produzidos em diferentes momentos de sua trajetória artística, a partir do início dos anos 1990. A sala principal da exposição abriga uma instalação inédita de grandes proporções, composta por tecidos brancos, cordas e lâmpadas fluorescentes tubulares – note-se, elementos recorrentes em seu vocabulário. Ao contrário de algumas de suas obras em tecido – como, por exemplo, A Soma dos Dias (2010) –, aqui o material não se estende até o chão, mas se encontra amarrado, formando figuras que se assemelham a montanhas invertidas. Tal formato, por sua vez, é reminiscente de outros de seus trabalhos, a exemplo de Já estava assim quando cheguei (2006), uma monumental escultura em gesso que espelha as curvas do Pão de Açúcar. A semelhança entre ambas, porém, restringe-se à forma, já que as toneladas do gesso contrapõem-se estruturalmente à maleabilidade dos tecidos. Esta vontade metalinguística de revisitar a própria obra, somada a noções de trompe-l’oeil e à recorrente investigação do espaço que caracteriza a sua produção, norteiam a mostra.

Enfatizando a estrutura monocromática dessa grande instalação, também na sala principal encontra-se em exposição uma série de obras de parede, que consiste em chapas de alumínio moldadas com percussão, resina e tinta branca. Produzidas entre 2011 e 2017, as chapas encontram-se alinhadas em uma altura relativamente alta, dialogando com a teatralidade dos tecidos. A superfície semi-reflexiva do alumínio ecoa trabalhos definidores da produção do artista, em que ele utiliza espelhos como base para a pintura. O fascínio de Carvalhosa por materiais reflexivos está intrinsecamente ligado à relação que eles estabelecem com o espaço ao redor: está necessariamente em jogo uma quebra de escala, já que o que vemos nessas superfícies é muito mais amplo do que a dimensão física das mesmas.

Algumas das obras com espelho, que o artista vem desenvolvendo há anos, estão expostas nas duas salas dianteiras da galeria. Os espelhos surgiram no vocabulário de Carvalhosa no momento em que o artista sentiu vontade de voltar a pintar – a pintura foi a primeira técnica que lhe trouxe reconhecimento, nos anos 1980 –, mas não sobre tela. Ele conta, “o espelho era uma superfície fugidia, que não está em lugar nenhum; ela permitia um tipo de pintura que ficava ‘entre’. E era espacial, de certa forma, tratava deste assunto do trabalho tomar conta do espaço. Só que é o contrário, na verdade é o espaço que toma conta do trabalho”. A intervenção do artista sobre superfícies reflexivas oscila entre esparsas pinceladas e a cobertura quase completa; de uma forma ou de outra, a tinta é aqui empregada antes como matéria, um artifício obstrutor, do que como pintura em si. Através de seu longevo interesse por estas chapas, o artista produziu dezenas de peças com as mais variadas cores, tintas, formatos e técnicas.

Ainda nas salas dianteiras, estão em exposição diversas esculturas em cera, cuja superfície remete à textura de tecidos com pequenos drapeados, das quais emergem formas que se assemelham a dedinhos e bolas. Em uma operação diametralmente inversa à das obras reflexivas, trata-se aqui – a exemplo dos tecidos – do espaço através: a translucidez da cera revela camadas interiores da matéria, convidando o espectador a imergir em seu volume, escrutinar suas nuances. Esta série marca a primeira experimentação de Carvalhosa com pequenos formatos. Novamente aqui, algumas das peças foram produzidas há anos, outras recentemente. Ainda que a cor por vezes encardida ou a superfície desgastada de obras mais antigas revele sua idade, ao expor obras semelhantes feitas com um hiato de tempo, o artista convida o espectador à mergulhar em uma perspectiva não linear, onde, tal qual no Aleph, habitam o início, o fim e o meio.

Outras obras que compõem as salas dianteiras são esculturas de porcelana cuja escala diminuta remete à das obras em cera. A matéria aqui é apresentada em sua forma bruta, sem pintura; às vezes há o uso de uma variedade com o tom naturalmente mais escuro. Em sua amorfia, elas lembram tiras de macarrão caseiro emboladas. A questão espacial que é tão central na obra de Carvalhosa – uma preocupação que pode, talvez, ser relacionada à sua formação como arquiteto – encontra aqui o seu cume, já que ao contrário de tudo o que o artista havia feito até então, este corpo de obra é inteiramente espacial, prescindindo de estruturas retangulares como base. Mais do que isso, o volume arredondado que as caracteriza antecipa as formas rochosas que se tornaram recorrentes em sua estética – e presentes aqui na grande instalação da mostra.

Seja por meio de reflexão, semi-reflexão, volume interno ou externo, as obras de Carvalhosa lidam recorrentemente com a forma com que objetos relacionam-se com seu entorno, reconfigurando o espaço. Sobre o assunto, ele comenta, “o lugar do trabalho é entre ele e onde a gente está”. Trata-se de operações simples – ainda que de execução por vezes complicadas –, nas quais ele cria situações estranhas para materiais ordinários, conhecidos do espectador. Faz-se de tudo para não se fazer nada.
by arteninja